sábado, 30 de abril de 2011

Você está preparado para conviver com os humanos aprimorados? - parte 1

UC3M

Humanos aprimorados versus humanos comuns

Com os avanços da robótica, da nanotecnologia, da biologia e da genética, criando implantes neurais e próteses inteligentes, além de uma série de novos avanços em um campo agora conhecido como biomecatrônica, torna-se cada vez mais urgente discutir aspectos da ética e da bioética envolvidos com a ampliação das capacidades humanas mediante o uso de tecnologias já disponíveis e em desenvolvimento - algo que eventualmente resultará nos assim chamados "humanos aprimorados," ou "humanos melhorados," pessoas dotadas de capacidades físicas e mentais acima das capacidades dos humanos "normais."

Enquanto a convivência entre robôs e humanos já tem sido alvo de atenção dos pesquisadores há alguns anos, a possibilidade de convivência entre seres humanos "normais" e seres humanos "aprimorados" somente agora começa a chamar a atenção de alguns estudiosos.

Iniciando estas discussões, o ObservatoryNano, um projeto de pesquisas bancado pela União Europeia, entrevistou a Dra. Daniela Cerqui, uma antropóloga especializada no estudo de tendências em nanotecnologia, tecnologias convergentes e em outras tecnologias de melhoramento das capacidades biológicas do ser humano que poderão vir a influenciar o significado prático da questão "O que é ser humano."

A entrevista foi feita por Ineke Malsch, outra renomada especialista em avaliação de novas tecnologias, participante do ObservatoryNano e que gentilmente cedeu o direito de tradução para o Site Inovação Tecnológica.

Trazer o assunto para discussão não representa qualquer tipo de concordância com as posições adotadas pelas especialistas - o Site Inovação Tecnológica meramente cumpre o dever jornalístico de mostrar aos leitores os contrapontos envolvendo o desenvolvimento atual e futuro da ciência e da tecnologia.

O blog Cogmente em concordância com o Site Inovação Tecnológica não adota nenhum posicionamento sobre o assunto, mas como muitos pesquisa e avalia os pontos dos especialistas.
Devido a entrevista ser longa iremos dividir em duas postagens com intervalo de cinco dias de uma para outra.


Ineke Malsch (entrevistadora) e Daniela Cerqui (entrevistada). [Imagem: Fotos cedidas pelas pesquisadoras.]

 
Ineke Malsch: O que significa ser um humano?

Daniela Cerqui: Se eu tivesse pelo menos umas quatro horas, talvez eu pudesse responder essa questão! Como antropóloga, eu posso dizer que há algumas teorias antropológicas que afirmam que um ser humano é algo específico de um ponto de vista paleontológico.
Contudo, parece-me que o ponto de vista social é mais importante do que o ponto de vista paleontológico. Em minha visão, o ponto principal é que os seres humanos são flexíveis, devido ou graças ao nosso cérebro, que nos permite pensar sobre o nosso futuro.
Se eu precisasse dar uma única característica de um ser humano, então seria a de que temos um cérebro desenvolvido, que nos permite fazer projetos sobre o nosso futuro. Nós somos a única espécie que pode fazer projetos. Eu acho que este é o principal critério que define a humanidade.

Ineke Malsch: Os neuroimplantes que estão sendo desenvolvidos por Kevin Warwick poderiam, e como, mudar a autoconsciência humana?

Daniela Cerqui: Isto está mais relacionado com a primeira dimensão que eu mencionei. Com relação ao que é um ser humano, você tem definições antropológicas e paleontológicas, que se supõe serem científicas, mas que não importam aqui.
Cada sociedade tem sua própria definição do que significa ser humano. É aí que a coisa começa a ficar interessante para nós. Em nossa sociedade, nós acreditamos que os humanos são definidos por sua sensibilidade e racionalidade, então lá vamos nós de volta para o cérebro. Mas isto nos leva de volta à definição paleontológica.
Um antropólogo francês, André Leroi-Gourhan, deu a seguinte definição: "Nós temos um relacionamento mediado com o meio ambiente. A primeira mediação é a linguagem e a segunda mediação é a tecnologia. Nossa natureza como seres humanos deve-se ao fato de podermos ser sensíveis e racionais graças a essas mediações. Nós podemos voltar atrás graças a essas mediações."
Voltemos ao que Kevin Warwick está tentando fazer. Esse tipo de relacionamento direto com nosso meio ambiente físico e com outras pessoas, com a ideia de comunicação cérebro a cérebro, está tentando anular essa mediação. Isso poderá se voltar contra a humanidade porque nós não teríamos essa capacidade de voltar atrás - nossa autoconsciência poderia estar sendo modificada.

Ineke Malsch: Você vê outras tendências na nanotecnologia ou em suas aplicações que já são ou poderiam ser usadas para o aprimoramento humano ou em outras aplicações polêmicas? Quais seriam essas tendências e quais seriam seus aspectos problemáticos?

Daniela Cerqui: Quando você fala sobre tecnologias convergentes há alguma coisa errada. Nós estamos falando como se essas tecnologias permanecessem as mesmas, mas não é assim. Se nós pensamos sobre Tecnologias da Informação, Biotecnologia e Ciências da Cognição, nós estamos falando sobre tecnologias definidas pelo objeto sobre o qual elas trabalham.
Quando nós pensamos em Nanotecnologia, nós pensamos sobre a escala na qual a tecnologia está trabalhando. Nós podemos aplicar nanotecnologia para qualquer outra tecnologia.
Em meu ponto de vista, é desnecessário falar sobre tendências em nanotecnologia. Nós podemos falar sobre todos os campos, implantes, próteses, genética, medicamentos, cirurgias, todos os campos envolvidos no aprimoramento humano, e pensar sobre como eles podem ser melhor aplicados com o uso da nanotecnologia.
Quando eles funcionam em nanoescala é mais fácil porque não há diferença entre elementos vivos e não-vivos em nanoescala. Todos os campos do aprimoramento humano podem avançar graças à nanotecnologia. Todos os aspectos problemáticos de todos os campos podem se ampliar graças à nanotecnologia.

Ineke Malsch: Sobre o que essencialmente é o debate sobre aprimoramento humano hoje? Quais são as questões e quais são os interesses em jogo? Quem está envolvido ou deveria estar envolvido?

Daniela Cerqui: A resposta está na questão. Quando nós falamos sobre "aprimoramento humano," há um "humano" no aprimoramento. O debate atual está focado em o que o aprimoramento humano pode trazer ou não em termos de riscos e benefícios para os seres humanos.
Em meu ponto de visto, nós deveríamos voltar e pensar qual é, em essência, a noção de "humano" que está em jogo. Normalmente isto não é levado em conta. Na Suíça há um centro da avaliação de tecnologias que publicou um edital chamando propostas de pesquisas sobre Aprimoramento Humano. O que eles querem que seja estudado são os riscos e benefícios em termos dos humanos.

[Imagem: Mohamad Sawan]

Se nós não nos distanciarmos da questão e tomarmos consciência de que o objetivo final é alguma outra coisa que não a humanidade, então nós estamos muito próximos do problema para olharmos para ele da maneira correta. A questão que está realmente em jogo não são apenas os benefícios e os riscos para os humanos agora, mas que amanhã e no dia depois de amanhã, nós continuaremos humanos.
Há dois níveis a considerar. O primeiro é o nível individual. Mas o importante é o nível social. A questão é o tipo de direitos sociais que nós teremos amanhã quando houver humanos aprimorados. Em termos de emprego, aposentadoria e estrutura social em geral. Nós devemos pensar sobre qual é a melhor sociedade para que os humanos aprimorados vivam. Eu não estou certa de que estejamos fazendo isto. Nós estamos dando um passo muito inicial, por exemplo, no projeto de humanos aprimorados da Suíça que eu mencionei. É uma questão inteiramente social considerar que continuará havendo humanos nessa sociedade. É importante pensar sobre essa sociedade.
Mas, em meu ponto de vista, nós devemos também envolver mais filósofos e antropólogos. Nós devemos pensar a longo prazo. Parece que as questões discutidas agora são apenas as questões de curto prazo.

Ineke Malsch: Mas há um monte de gente pensando nas questões de longo prazo, como os transumanistas.

Daniela Cerqui: Sim, mas pessoas como os transumanistas estão envolvidas no processo. Normalmente, quando você fala com pessoas com uma posição política, eles dizem que isto não é importante, que há apenas alguns poucos transumanistas.
Essas pessoas deveriam ser levadas muito mais a sério e nós não estamos fazendo isto. É por isto que eu estou falando sobre filósofos e antropólogos. No meio você tem pessoas que estão envolvidas em decisões empíricas e práticas. Eu posso entendê-los perfeitamente. Eles precisam ter habilidades muito práticas. Eles estão interessados na sociedade que teremos amanhã. Quando eu converso com os políticos sobre o transumanismo, eles dizem: "Os transumanistas não são pessoas sérias, por isso não precisamos dar ouvidos a elas." Ou então dizem: "Eles podem estar certos, mas isto só no longo prazo e não estamos tão interessados em questões de tão longo prazo."
Em minha visão, a fim de entender as questões de curto prazo nós temos que tentar entender as questões de longo prazo. Mais tarde nós podemos retornar às questões de curto prazo. É por isto que nós precisamos de antropólogos e filósofos capazes de pensar sobre os cenários que poderão acontecer no futuro, sem dizer o que os transumanistas dizem: "É um futuro brilhante." Mas pessoas que possam dizer: "Se mantivermos o curso atual, aqui está onde iremos chegar." Com isto, poderemos tomar a decisão correta agora, dizendo se queremos ou não continuar na direção em que estamos.

Continua a entrevista (postagem prevista para  05.05.11)

crédito: Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/08/2009

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Robô evolucionário aprende a andar alterando o próprio corpo

Este é um robô simplificado, construído para testar na prática os resultados dos algoritmos evolucionários desenvolvidos no ambiente robótico virtual.[Imagem: Josh Bongard]
Quer construir um robô realmente robusto, capaz de resistir às mais duras exigências?
Então é melhor esquecer o Exterminador do Futuro e se preparar para observar como um girino aprende a usar pernas para se transformar em um sapo.
Este foi o enfoque da equipe do professor Josh Bongard, da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos.
Os pesquisadores criaram robôs virtuais, simulados em computador, e robôs reais que, como os girinos, mudam as formas do próprio corpo enquanto aprendem a andar.
Robótica evolucionária
Este é o princípio da chamada robótica evolucionária, que utiliza algoritmos genéticos, ou evolucionários, para encontrar a forma mais eficiente de resolver um problema - neste caso, como um robô pode andar de forma mais eficiente.
Ao longo das gerações, os robôs simulados evoluíram, passando cada vez menos tempo na sua forma "infantil" de girinos e mais tempo na forma "adulta", com quatro patas.
Mesmo em situações similares, os robôs capazes de evoluir a própria forma aprenderam a andar mais rapidamente do que os robôs com forma fixa.
Além disso, quando atingiram uma forma "definitiva", considerada eficiente pelos pesquisadores, os robôs mutantes desenvolveram um gingado mais robusto, que lhes dá maior equilíbrio - isto foi aferido tentando derrubar os robôs com um varinha enquanto eles andavam: os robôs evolucionários são muito mais difíceis de derrubar.
"Esta pesquisa mostra como a mudança corporal, mudança morfológica, de fato nos ajuda a projetar robôs melhores," disse Bongard. "Isso nunca havia sido tentado antes."
Ambiente virtual robótico
Programar um robô para que ele ande significa enviar comandos precisos, temporizados, para cada um de seus motores e atuadores, tudo na sequência correta. Isto é uma tarefa complicada e extenuante, e nem sempre dá ao robô um andar muito elegante.
O enfoque adotado por Bongard e seus colegas foi automatizar o próprio processo de programar os robôs para andar. Para isso, eles estão criando programas de computador que programam os robôs para fazer uma determinada tarefa.
Esse ambiente virtual robótico - tecnicamente é uma simulação computadorizada - parece-se um pouco com um videogame, onde as diversas gerações das "criaturas" iniciais experimentam movimentos aleatórios.
Inicialmente espasmódicos e irregulares, esses movimentos aos poucos - ao longo de "gerações virtuais" - tornam-se regulares e precisos, até atingir um andar suave e eficiente, ou seja, com o menor gasto possível de energia.

As simulações deram liberdade total para que os robôs se exercitassem e adaptassem o próprio corpo para obter a capacidade de movimento. [Imagem: Josh Bongard]
 
Robôs que evoluem

O grande avanço nesta pesquisa é que o robô não aprende simplesmente a movimentar seus membros, ele tem a liberdade para redesenhar o formato do próprio corpo.
"Os robôs têm 12 partes móveis," explica Bongard. "Eles se parecem com o esqueleto simplificado de um mamífero: eles têm uma espinha articulada e então você tem quatro varas salientes - as pernas."
Os cientistas rodaram as mais diversas simulações, com suas criaturas simplificadas partindo de situações nas quais algumas lembravam cobras com pernas, outras se pareciam mais com lagartixas, com as pernas estendidas, enquanto outras já partiam do desenho tradicional de um animal de pé sobre as quatro patas.
Deixando os algoritmos genéticos rodarem à exaustão, os cientistas verificaram que os robôs primeiro resolvem o problema básico de andar e, só depois, passam a aprimorar o jeito de andar, tornando-o mais elegante e eficiente.
"Estamos copiando a natureza, nós estamos copiando a evolução, nós estamos copiando a ciência neural quando enquanto construímos cérebros artificiais para esses robôs," diz o pesquisador.

Evolução acelerada

O ponto que mais se destaca na simulação é que não se trata da "simples" evolução de um cérebro artificial - o controlador da rede neural. Os robôs evoluem em interação contínua com mudanças no formato do seu corpo. Parece-se de fato com uma evolução biológica extremamente acelerada.
Talvez seja por isso que os robôs evolucionários tenham desenvolvido capacidades que não haviam sido projetadas inicialmente pelos pesquisadores, como a capacidade de resistir bravamente à tentativa de derrubá-los.


Bibliografia:
Morphological change in machines accelerates the evolution of robust behavior
Josh Bongard
Proceedings of the National Academy of Sciences
January 10, 2011
DOI: 10.1073/pnas.1015390108

crédito: Redação do Site Inovação Tecnológica - 25/01/2011