domingo, 25 de setembro de 2011

História da Neurofisiologia no Brasil - parte 1


Por Cesar Timo-Iaria

A história da fisiologia do sistema nervoso em qualquer país confunde-se com a história da própria Fisiologia, a disciplina da Biologia que estuda o funcionamento dos seres vivos, segundo a acertada mas pouco conhecida e ainda menos acatada definição de Jean Fernel, enunciada no século XVI. Essa vinculação resulta do fascínio que o sistema nervoso sempre exerceu sobre cientistas e leigos, a ponto de que todos os fisiologistas do passado se hajam interessado pela neurofisiologia, ao menos em alguma etapa de sua vida profissional. Já no século V a. C. Alkmaeon, discípulo de Pythagoras na região da Magna Grécia que é hoje a Calábria italiana, descobriu o nervo óptico e chegou ao avançado conceito de que o sistema nervoso, particularmente o encéfalo, é a sede das sensações e da atividade mental. Quase à mesma época, outro grande grego, Hipócrates, fundador da medicina objetiva, exarava conceito semelhante ao afirmar que "é no encéfalo (enkephalon), e somente no encéfalo, que nascem nossos prazeres, alegrias, os risos e as graças, assim como as tristezas, dores, angústias e o pranto. É por ele que pensamos, vemos, ouvimos e distinguimos o feio do belo, o mau do bom, o agradável do desagradável. É o mesmo encéfalo que nos torna loucos ou delirantes, que nos inspira pavor e o medo, seja à noite ou de dia, que nos traz o sono e o engano indesejável, a ansiedade inútil, a distração e os atos contrários aos hábitos, defeitos que dele vêm quando se torna enfermo". É admirável a conceituação de Hipócrates, que 25 séculos atrás atribuía ao sistema nervoso a gênese da mente em todas as suas formas normais mas também em suas manifestações psiquiátricas. Enquanto Hipócrates, que vivia na modesta porção insular da Magna Grécia que era a ilha de Cos, escapava aos críticos da objetividade, Alkmaeon, que habitava um dos principais núcleos da cultura grega continental, era acerbamente criticado, sobretudo pelo influente Parmênides, que não acreditava que os sentidos, a observação e a experimentação pudessem revelar os segredos da mente. Esse retrogrado conceito é ainda muito poderoso em nossos tempos. Alkmaeon chegou a ser vítima de perseguição política por suas idéias avançadas.

Outro motivo pelo qual a história da neurofisiologia se confunde com a história da Fisiologia é que toda e qualquer função do organismo animal, dos invertebrados à espécie vertebrada mais evoluída (por enquanto), o Homo sapiens, é gerada, regulada ou pelo menos modulada pelo sistema nervoso. Os estudiosos dos sistemas cardiovascular, respiratório, digestivo, imunológico, endócrino e renal sempre tiveram de investigar sua regulação nervosa para compreendê-los, tornando difícil delimitar corretamente a extensão das pesquisas primariamente relativas ao sistema nervoso. De fato, essa delimitação é totalmente arbitrária. Em endocrinologia, por exemplo, quem não pesquisa em bioquímica dos processos endócrinos pesquisa em sua regulação pelo sistema nervoso. No domínio da fisiologia cardiovascular as pesquisas mais revolucionárias também se relacionam com a bioquímica dos fatores humorais ou com os mecanismos neurais de regulação. A imunologia básica igualmente ocupa-se em nossos tempos sobretudo de seus mecanismos moleculares ou de sua regulação nervosa.

Quanto mais se estuda a fisiologia nervosa cada vez menos se pode dissociar o estudo anatômico (sobretudo hodológico) da abordagem funcional do sistema nervoso. Para acolher essa interdisciplinaridade, criou-se há alguns anos o dispensável nome de Neurociência, com o fito de englobar o estudo da estrutura e de todas as funções, normais ou patológicas, do sistema nervoso (imagine-se o que pensariam de alguém que denominasse o estudo do sistema cardiovascular de cardiovasculociência e o estudo do sistema digestivo de esôfagogastronterociência ou, pior, de digestociência...). Entretanto, em franca colisão com fortes sentimentos de delimitação de território e até mesmo de desconhecimento real do que sejam funções neurais, esse conceito de Neurociência deteriorou e continuaram praticamente as mesmas anteriores divisões irracionais, agrupadas agora em dois campos, Neurociência e Comportamento, artefato espúrio, como se os comportamentos fossem independentes do sistema nervoso, que revive o velho conceito da dualidade alma-matéria.

No Brasil, o estudo experimental e sistemático da Fisiologia começou, sem dúvida, com os irmãos Álvaro e Miguel Ozório de Almeida, no Rio de Janeiro, os quais também iniciaram (principalmente Miguel Ozorio) as pesquisas em neurofisiologia. Membros de uma família de alto gabarito cultural, os dois irmãos montaram um autêntico Instituto de Fisiologia em uma casa, na qual inventaram a Fisiologia brasileira. Muito interessado no estudo do metabolismo, Álvaro Ozório criou uma escola nesse campo, que culminou com seu discípulo Paulo Enéas Galvão, que foi para o Instituto Biológico de São Paulo e tornou-se o segundo professor de Fisiologia da recém-criada Escola Paulista de Medicina, substituindo outro de seus discípulos cariocas, Thales Martins (que em parceria com Ribeiro do Valle ajudou a fundar a neuroendocrinologia). Nas décadas de 1930 e 1940 houve maciça emigração de cientistas cariocas para São Paulo, levados pela criação do Instituto Biológico, onde Maurício Rocha e Silva, da mesma leva de expatriados, "inventou" os peptídeos, embora alguns já fossem conhecidos antes dele. Galvão tornou-se fisiologista internacionalmente conhecido por seus clássicos estudos do metabolismo em climas quentes, que confirmaram e estenderam os conceitos enunciados em meados do século XIX pelo médico alemão Robert Meyer, conceitos esses fundamentais para a descoberta do metabolismo e para a criação da Termodinâmica.

Miguel Ozório de Almeida, entretanto, pesquisou a vida toda em fisiologia e fisiopatologia do sistema nervoso. No ano de 1944 ele, que, diga-se de passagem, era exímio pianista e literato, publicou um erudito livro sobre os processos de inibição e facilitação no sistema nervoso central e periférico (L'Inhibition et la facilitation dans le système nerveux central et périphérique). Miguel Ozório sentia particular atração pelos mecanismos das epilepsias, tendo realizado extensos estudos em epilepsia experimental, nos quais envolveu Haiti Moussatché, que pesquisou nesse campo durante quase toda a sua vida. Vários fisiologistas dedicados ao estudo do sistema nervoso se diferenciaram nos anos 30 e 40, direta ou indiretamente sob influência de Miguel Ozório, destacando-se, além de Moussatché, Mario Ulysses Vianna Dias, Tito Cavalcanti e Carlos Chagas Filho.

Aristides Azevedo Pacheco Leão tornou-se o mais célebre neurofisiologista brasileiro por ter descoberto a depressão alastrante em 1944, quando se doutorou na Harvard Medical School. Esse ainda enigmático fenômeno vem sendo desde então estudado ininterruptamente por pesquisadores brasileiros, europeus, americanos e japoneses, pela possibilidade de estar implicado na interrupção de crises epilépticas ou mesmo em funções normais. Leão, de tradicional família do Rio de Janeiro, veio em 1932 estudar Medicina na Faculdade de Medicina de São Paulo (ainda não parte da Universidade de São Paulo, que seria criada apenas em 1934). Tendo adoecido, talvez devido ao inóspito clima da cidade, que naqueles tempos era muito fria e incomodamente úmida no inverno e caracterizava-se pela chuva e por onipresente garoa durante mais de metade do ano, Leão retornou ao Rio de Janeiro e anos mais tarde foi doutorar-se nos Estados Unidos. Após sua volta ao Brasil, Leão juntou-se a Carlos Chagas no recém-criado Instituto de Biofísica e agregou numerosos discípulos, dentre os quais se salientou Hiss Martins Ferreira, que continua pesquisando em depressão alastrante. Martins Ferreira descobriu a depressão alastrante na retina de aves, criando um modelo hoje usado em todo o mundo.

Carlos Chagas Filho, cujo pai, Carlos Chagas, realizou extraordinária obra em Medicina ao descobrir a moléstia que leva seu nome, fundou o Instituto de Biofísica em 1941 como parte da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e foi pioneiro no estudo dos mecanismos de transmissão química, usando como modelo a eletroplaca de peixes elétricos. Ao criar o Instituto de Biofísica, Chagas Filho cercou-se de alguns cientistas ilustres, entre os quais os já citados Aristides Azevedo Pacheco Leão e Hiss Martins Ferreira de início. Durante uma temporada que passou no Instituto de Biofísica logo após a segunda guerra mundial Rita Levi-Montalcini fez experimentos cruciais para a descoberta do primeiro fator de crescimento neural.

(continua)
créditos: Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Quinto Elemento: o Gosto do Cérebro

Essa história de existirem apenas quatro gostos básicos sempre foi contra a intuição de que sentimos mais sabores do que isso. De fato, os japoneses bem que sabiam, há quase cem anos, que existe um quinto gosto, além dos tradicionais doce, salgado, azedo e amargo. Um gosto tão especial que o nome em japonês, de difícil tradução, acabou vingando também nas outras línguas: é o gosto “umami”, que pode significar tanto “delicioso” como “pungente”, “saboroso”, “essencial” ou “de carne”.

Mas existe uma tradução mais simples. Trata-se do gosto do glutamato, um sal encontrado nas prateleiras dos supermercados e nas mesas dos restaurantes orientais, vendido como Aji-no-moto ou Sazon, e adicionado ao tempero de macarrão instantâneo e a salgadinhos em geral. E presente naturalmente, também, no molho de soja e em vários alimentos como queijo parmesão, tomate, leite, atum, frutos do mar e... cérebro.

Sim, o cérebro não só é comestível (as versões bovina e ovina são encontradas no seu açougue favorito sob o nome pouco convidativo de “miolos”, iguaria, aliás, muito apreciada pelos franceses), como também é um dos alimentos que mais contém glutamato. Por uma razão muito simples: o glutamato – o mesmo glutamato do aji-no-moto – é o principal neurotransmissor do cérebro, a moeda mais usada na troca de sinais entre neurônios.

Foi o japonês Kikunae Ikeda, da Universidade Imperial de Tóquio, quem no início do século XX caracterizou o gosto umami como um sabor inimitável por qualquer combinação dos quatro sabores básicos. Ikeda também determinou, a partir da análise bioquímica de alimentos ricos no sabor, como o atum e o caldo de carne, que o elemento responsável pelo sabor umami é o glutamato, o mais comum dos vinte aminoácidos - os bloquinhos que compõem as proteínas - essenciais à vida humana.

Segundo a lógica de sinalizar a presença na boca de nutrientes necessários (açúcar, sais minerais e ácidos) ou substâncias tóxicas e indesejáveis (em geral amargas), faz sentido existir um gosto básico sensível ao componente mais comum das proteínas. O glutamato inserido nas proteínas, no entanto, não provoca o sabor umami. Mas com o calor do cozimento, as proteínas se partem em pedaços menores, liberando glutamato – e com ele o sabor “rico” do caldo de carne, por exemplo, riquíssimo em glutamato livre.

Testes de percepção já tinham mais do que comprovado que o glutamato provoca um gosto específico em humanos – e aliás, em ratos também -, mas para reconhecer definitivamente o status do umami como o quinto gosto básico era necessário encontrar um receptor exclusivamente seu: uma proteína na superfície de células da língua que servisse de “encaixe” para o glutamato, para que em seguida uma mensagem acusando sua presença fosse enviada ao cérebro. Ironicamente, foi justamente o “receptor umami” o primeiro dos receptores gustativos a ter seu gene descoberto: até o ano de 2000, os outros gostos, considerados básicos por unanimidade, ainda não tinham receptores identificados.

O fato de o glutamato também ser usado como neurotransmissor sugeria que talvez um dos próprios receptores de glutamato do cérebro fosse usado também na língua. No entanto, o que poderia tornar a vida dos pesquisadores mais fácil, já que a seqüência dos genes para esses receptores cerebrais já era conhecida, colocava dois novos problemas. Primeiro, os receptores de glutamato conhecidos são extremamente sensíveis, de modo que se eles agissem também na superfície da língua, qualquer grãozinho de aji-no-moto provocaria um sabor fortíssimo– o que não é o caso. E segundo, o glutamato também é usado dentro da língua como um neurotransmissor; portanto, já existem receptores no local dedicados à transmissão de sinais para o cérebro, e não diretamente à detecção de glutamato na comida. Como diferenciar qual é o receptor do glutamato dos neurônios e qual o do glutamato da comida?

A natureza ajudou. O receptor umami é semelhante a um daqueles receptores de glutamato do cérebro, sim. Mas falta-lhe um pedaço, o que o torna ao mesmo tempo imprestável para a transmissão de sinais para o cérebro, mas simplesmente perfeito para detectar as altas concentrações de glutamato livre que passam pela boca. Ou seja: é inconfundível.

A equipe do americano Stephen Roper, da Escola de Medicina da Universidade de Miami, já tinha indicações de que um determinado tipo de receptor para glutamato do cérebro estaria envolvido na gustação do umami. Testes em seu laboratório para detectar vários tipos de receptores de glutamato na língua de ratos haviam mostrado a presença de uma versão do receptor chamada mGluR4 (Glu de Glutamato, R de Receptor, 4 de Quarta versão identificada, e m de... metabotrópico, maneira curta de dizer “receptor que requer metabolismo de alguns intermediários dentro da célula para surtir seu efeito”, ao contrário dos outros receptores de glutamato, que modificam diretamente a carga elétrica da célula). Além disso, drogas que ativam especificamente o mGluR4 também têm “gosto de glutamato”, enquanto outras drogas que ativam outros tipos de receptores para glutamato não têm gosto.

No entanto, continuava a incompatibilidade da concentração necessária para “ligar” o receptor. Para resolver a questão, Nirupa Chaudhari e Ana Marie Landin, no laboratório de Roper, fizeram um preparado de línguas de rato (parece até receita de bruxaria!) e aplicaram técnicas de biologia molecular para extrair dali seqüências de DNA semelhantes à do mGluR4. O sequenciamento completo, publicado na revista Nature Neuroscience em fevereiro de 2000, mostrou que a versão gustativa do receptor é truncada: falta justamente parte da região que fica exposta na boca, pescando glutamatos livres na comida. E o que é melhor: embora truncada, essa versão ainda gruda glutamato em concentrações compatíveis com a sensibilidade de tanto ratos como humanos.

Falando em ratos, eles não são os únicos privilegiados, além do homem, a sentir o gosto do glutamato. Até bactérias possuem um receptor parecido, que gruda aminoácidos em geral – o que dá uma idéia da importância do receptor, presente desde nesses serezinhos microscópicos até no todo-poderoso homem, e também sugere de onde surgiu, ao longo da evolução, a família de receptores de glutamato.

A identificação do receptor umami confirma de vez seu status de quinto gosto básico. Mas outro mistério permanece. Embora o glutamato sozinho confira à comida o sabor umami, seu efeito é potencializado pela presença de nucleotídeos parecidos com os que compõem o material genético (você já parou para pensar que come DNA todos os dias? É, leite, carnes e vegetais vêm cheios de DNA, além dos tradicionais açúcares, proteínas e sais minerais. Só que ninguém lembra!). Quem conferir a embalagem dos salgadinhos ou do Miojo verá: lá na lista dos ingredientes estão o inositol monofosfato e a guanosina monofosfato. Talvez esses nucleotídeos interajam com outros receptores, que mais tarde têm seus sinais para o cérebro combinados aos do receptor umami; ou talvez eles se grudem ao mesmo tempo no mesmo receptor, ou até antes, facilitando a detecção do glutamato. Agora que o receptor umami foi identificado, todas essas possibilidades poderão ser testadas diretamente.

Fica faltando apenas conferir se o cérebro, com todo seu glutamato livre, tem mesmo sabor umami. Eu confesso que nunca tive coragem de encarar um ensopadinho de miolos, e mesmo em nome da ciência o prato me parece um tanto nojento, para não dizer fedido. Mas gosto não se discute. Alguém se habilita?

créditos: http://www.cerebronosso.bio.br - publicado no site da Sociedade Brasileira de Neurociência

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

IBM anuncia chip capaz de aprender com as experiências humanas

A IBM anunciou nesta quinta-feira o desenvolvimento de um chip revolucionário que imita o funcionamento do cérebro humano e permite fabricar computadores capazes de aprender com a experiência do usuário.
Este novo tipo de computador consumirá menos energia e será mais compacto que os aparelhos atuais, assegurou a IBM.

"Os computadores ′cognitivos` fabricados com este chip serão programados da mesma maneira que os tradicionais. Estes equipamentos aprenderão com suas experiências, vão saber encontrar correlações, desenvolver hipóteses e lembrar resultados, imitando assim a plasticidade do cérebro humano", explicou a companhia.

Dois protótipos de chip foram fabricados e passam atualmente por testes. Ambos foram gravados com uma linha muito fina de 45 nanômetros de silício em isolante (SOI), e possuem o equivalente a 256 "neurônios" (células nervosas).

A IBM está testando dois tipos de estruturas para estes chips: uma com 262.144 sinapses (áreas de interação entre células nervosas) programadas, e outra com 65.536 sinapses de aprendizagem.

O objetivo em longo prazo da IBM é fabricar um complexo de componentes com 10 milhões de "neurônios", ainda muito atrás de cérebro humano que possui 100 bilhões. O desejo é criar 100 trilhões de sinapses em um espaço inferior a dois litros, tudo consumindo até um quilowatt de eletricidade, anunciou a IBM.

Um computador "cognitivo" será capaz, por exemplo, de lançar um alerta de tsunami, analisando informações de diferentes sensores marinhos e coletando dados sobre temperatura, pressão e altura das ondas. Também poderá ajudar os pequenos distribuidores a gerenciar seus estoques de produtos frescos graças ao sentido do "olfato".

Para a segunda fase do projeto, chamado SyNAPSE, a IBM solicitou a ajuda de várias universidades, como a Columbia, Cornell, Califórnia e Wisconsin. O projeto receberá o financiamento de 21 milhões de dólares da DARPA, a agência que financia empreendimentos de alta tecnologia no campo da defesa.

crédito: Redação do DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR 18/08/2011 | 15h56 | Avanço