domingo, 31 de outubro de 2010

Neuroprótese

Neuroprótese permite controle de equipamentos pelo pensamento Da redação 14/12/2004 Um rapaz tetraplégico de 25 anos de idade já consegue acender as luzes de casa, mudar o canal de televisão e ler e-mails utilizando apenas sua mente, graças a uma prótese neurológica desenvolvida a partir de pesquisas feitas na Universidade Brown, Estados Unidos. A neuroprótese é fruto de uma pesquisa que começou com macacos, em 2002. O primeiro teste com um ser humano foi um sucesso, segundo os resultados preliminares divulgados na reunião anual da Academia Americana de Medicina Física e Reabilitação. Utilizando o aparelho de 4 milímetros, batizado de BrainGate (porta para o cérebro), o paciente consegue ler mensagens eletrônicas, jogar vídeogame, ligar e desligar as luzes, mudar os canais e alterar o volume da televisão. Os testes deverão continuar até meados do próximo ano. "Eu acho os resultados espetaculares, quase inacreditáveis," comemora Gerhard Friehs, responsável pelo implante do BrainGate, feito em Junho deste ano. "Aqui nós temos um voluntário que é capaz de controlar seu ambiente apenas pelo pensamento - algo que nós só encontramos até hoje na ficção científica," afirma ele. "Eu espero que os testes continuem tão bem como começaram e que todos os outros candidatos tenham uma experiência tão boa como as que o nosso primeiro candidato teve." A neuroprótese está sendo fabricada pela Cyberkinetics Neurotechnology Systems Inc., uma empresa emergente criada pelo Dr. John Donoghue, a partir dos resultados da pesquisa original. "Nosso objetivo é desenvolver o BrainGate de tal forma que ele possa ser ligado a vários equipamentos úteis," afirma Donoghue. A comunicação por telefone e Internet e o controle de cadeiras de rodas elétricas são as prioridades.


Artigo transcrito do site da Sociedade Brasileira de Neurociência

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Qual o limite da Mente Humana? - Entrevista com Hilary Putnam

Hilary Whitehall Putnam (Chicago, Illinois, 31 de julho de 1926) é um filósofo estadunidense que vem sendo uma figura central da filosofia ocidental desde os 1960s, especialmente em filosofia da mente, filosofia da linguagem e filosofia da ciência. Ele é conhecido pela sua prontidão em aplicar igual grau de escrutínio tanto às próprias posições filosóficas quanto às posições de outros filósofos, submetendo cada posição a uma análise rigorosa e expondo seus defeitos. Como resultado, Putnam adquiriu a reputação de filósofo que muda freqüentemente de posição.



Na filosofia da mente, Putnam é conhecido pelos seus argumentos contra a identidade-tipo dos estados mentais e físicos, baseado nas suas hipóteses da realização múltipla da mente, e pelo conceito de funcionalismo, uma teoria influente sobre o problema corpo-mente. Na filosofia da língua, com Saul Kripke e outros, ele desenvolveu a teoria causal da referência, que aplicou principalmente aos termos de espécie natuara como água, tigre, olmo e etc.. Tendo formulado uma teoria original do significado, que tenta levar em consideração a linguagem o mundo e a sociedade, com isto criando a noção de externalismo semântico, baseado num famoso pensamento experiente chamado Terra Gêmea (ou Twin Earth)

Sentido do Limite Humano

"Para mim a religião significa justamente refletir sobre o sentido do limite humano. [...] Penso que o homem é o pior deus que existe."

por Giovonna Borradori

Giovonna Borradori: Em relação a outros filósofos americanos contemporâneos, o senhor parece mostrar mais animosidade em relação à corrente de inspiração analítica, embora o senhor mesmo tenha sido um pensador analítico por um bom número de anos. Como assim?

Hilary Putnam: Minha formação, como penso ser a de todos os jovens filósofos no pós-guerra, baseou-se naquilo que era preciso absolutamente ignorar enquanto não-filosofia. Fomos educados a rejeitar os textos e os autores, mais do que a nos deixar apaixonar. Creio que seja uma tendência erradíssima, que deveria ser eliminada de qualquer escola, movimento ou departamento de filosofia.

GB: Quase uma forma de censura, portanto. Quais eram os autores proibidos?

HP: Lembro-me de ter adorado Kierkegaard, que era considerado uma espécie de poeta. Depois de Kierkegaard, foi Marx que me acompanhou por longo tempo na vida. Porém, sempre com um sentido de estranheza, porque me fora ensinado que também Marx não era verdadeiro filósofo, e sim um teórico da sociedade. Freud era um psicólogo e seu pensamento não revestia temáticas filosóficas, e assim por diante. Durante a graduação e a assistência, que são os períodos em que se desenvolve a maior parte da formação, meus interesses se restringiram, como que coagulados dentro de estreitos limites, os delimitados pela filosofia analítica. Eu tinha mais de quarenta anos quando consegui me libertar…

GB: Entre os filósofos pós-analíticos, o senhor é talvez o único que desenvolveu um forte interesse teológico, orientado para a recuperação da tradição hebraica. Como aconteceu que um lógico de formação, como o senhor, a certo momento recuperou a centralidade de Deus, do misticismo e da interpretação do texto sagrado?

HP: Creio que a única coisa que pode tornar uma pessoa religiosa é a experiência interior. Não tem sentido converter os outros. Acho que ser religioso seja muito bem compatível com uma forma de ceticismo em relação à revelação. O fato de que na tradição hebraica e cristã haja textos inspirados, santos, que encerram algo de inexplicável, não significa que não sejam também produtos humanos. No século XVIII, a humanidade ficou perturbada com a idéia de ler a Bíblia como um produto humano. A Bíblia não é um manual para a sociedade perfeita. Ela simplesmente pintava uma sociedade melhor do que a que os hebreus tinham diante dos olhos, no Egito ou na Babilônia, ou também na Grécia e em Roma. Dizia para tratar os escravos melhor do que eram tratados naquele tempo, mas não intimava a não tê-los. E depois o preconceito contra os homossexuais: é errado, ponto final.
O sentido do sagrado é uma coisa muito importante, mas não necessariamente boa. Por essa razão, no século passado começou-se a dizer: é preciso deixar de crer no sagrado. Nem cem anos mais tarde, houve dois terríveis ditadores, ambos ateus: Stalin e Hitler.

GB: Não se trata, portanto, exatamente de religião. Seu hebraísmo é alguma coisa um pouco diferente…

HP: Sim, creio que religião seja uma palavra imprópria. Minha ligação com a tradição hebraica representa um sentido do limite. É quase um clichê citar o Talmud, mas ainda me agrada fazê-lo. Diz mais ou menos: não depende de nós ultimar a tarefa, mas também não estamos livres de carregar seu fardo. Para mim a razão significa justamente refletir sobre o sentido do limite humano. O problema do humanismo, como se desenvolveu a partir de Feuerbach, significou a deificação do homem. Não vejo nada neste século que me faça desejar deificar o homem. Como Ben Schwartz, penso que o homem é o pior deus que existe.

[In: BORRADORI, G. Conversações americanas. Apud: REALE, G.; ANTISERI, A. História da filosofia, v. 7: De Freud à atualidade. São Paulo: Paulus, 2006. p. 229-30.]

Fonte:http://edsongil.wordpress.com/2008/09/18/sentido-do-limite-humano/

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A Evolução Histórica dos Conceitos sobre Mente - parte final

por Ramon M. Consenza, MD, PhD
publicado em 31.12.2002 - Unicamp


Descartes, Cérebro e Mente

No século XVII os espíritos ainda dominavam as funções mentais. Nesta época René Descartes (1596-1650) escolheu  o corpo pineal não propriamente como a sede da alma, mas como o local da sua atividade. A pineal foi escolhida por ser um órgão ímpar, ao contrário das outras estruturas cerebrais, que são bilaterais. A neurofisiologia de Descartes, é bastante independente da neuroanatomia, que ele deliberadamente ignorava e é baseada nos espíritos animais e nos poros e vias pelos quais eles fluem para exercer suas ações. Segundo ele, “as partículas mais rápidas e ativas do sangue” eram levadas pelas artérias do coração para o cérebro, onde se convertiam num gás ou vento extremamente sutil, ou uma chama muito pura e ativa, constituindo o “espírito animal”. As artérias deveriam reunir-se em torno de uma glândula situada no centro do cérebro: a pineal.
Descartes imaginava que filamentos existentes nos nervos (que seriam tubos) poderiam operar como válvulas, abrindo poros que deixariam fluir os espíritos animais. Uma estimulação na pele, por exemplo, agiria sobre esses filamentos, provocando uma contração como resposta reflexa. Do cérebro os espíritos animais viajariam através dos nervos até o músculos, que seriam inflados, provocando o movimento. Esse seria o mecanismo para os atos involuntários.
 
 









Um reflexo segundo a fisiologia de Descartes. O fogo desencadeia movimentos dos espíritos animais através de nervos ocos. Esse deslocamento abre poros no ventrículo (F), deixando fluir espíritos que irão então dilatar o músculos da perna, provocando o seu afastamento.
Ilustração do livro de René Descartes, De Homine, publicado em 1662. As informações visuais são levados ao cérebro por nervos ópticos ocos. Daí elas chegam à pineal, que regula o fluxo do espíritos animais através dos nervos. Os espíritos viajarão até os músculos do braço, provocando um movimento.

As estimulações periféricas teriam o poder de abrir poros existentes no interior do cérebro e os espíritos seriam conduzidos daí até a glândula pineal, na superfície da qual haveria um completo mapa sensorial e motor. A vontade estaria sob o controle da pineal, que poderia regular o fluxo dos espíritos animais para os diferentes nervos.

O sono e a vigília, segundo Descartes (1662), dependeria do fluxo dos espíritos animais no cérebro, regulado pela pineal (H).  No desenho superior há pouco fluxo dos espíritos e o cérebro encontra-se flácido, durante o sono. O desenho inferior representa o estado de vigília, quando há grande influxo dos espíritos animais e a matéria cerebral está distendida.

     










A diversidade das sensações seriam decorrentes das diversas maneiras pelas quais os poros seriam abertos. Uma estimulação muito forte, por exemplo, daria origem à dor. Uma estimulação uniforme de muitas fibras na pele, levaria à sensação de superfície lisa. Já a estimulação desigual seria correspondente a uma superfície rugosa.
Ainda segundo Descartes, os espíritos animais podiam dilatar o cérebro, como o vento age sobre as velas de um embarcação,  despertando-o e permitindo a recepção das informações sensoriais. A ausência, ou pouca intensidade dos espíritos animais, levaria ao sono e ao sonho. Os espíritos animais serviam também para sustentar seu esquema para uma localização cerebral de movimentos e sensações. Os diferentes temperamentos e as habilidades naturais de cada pessoa corresponderiam às diferenças em número, tamanho, forma e movimento dos espíritos animais.

Bioeletricidade e o Dogma Neuronal

A idéia de que “espíritos animais” percorriam os nervos, que tinha origem nos gregos,  permaneceu corrente até o Século XVIII, quando ficou demonstrada a natureza elétrica na condução nervosa, destacando-se para isso o trabalho de Luigi Galvani (1737-1798) e,  já no século seguinte, o de Emil du Bois-Reymond (1818-1896). Du Bois-Reymond realizou seus estudos sobre transmissão nervosa  na década de 1840 e na década de 1870 propôs que os órgãos efetuadores seriam excitados pelos nervos através de corrente elétrica, ou de substâncias químicas liberadas pelas terminações nervosas.
 
 









Luigi Galvani
Emil Du Bois-Reymon
Quanto à importância do tecido cerebral para as funções nervosas, os conhecimentos fundamentais também se desenvolveram no século XIX. Theodor Schwann (1810-1882), que descreveu a bainha de mielina, foi quem primeiro propôs que todo o corpo seria formado de células. Sua teoria celular teve ampla aceitação para todos os tecidos, com exceção do sistema nervoso, onde se acreditava que as células eram contínuas, formando um grande sincício. Somente com a descoberta das técnicas de impregnação das estruturas nervosas pela prata (método de Golgi) foi possível uma observação mais acurada, resultando nos trabalhos de Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), que já em 1889 argumentava que as células nervosas eram elementos isolados. Em 1891 Wilhelm von Waldeyer (1836-1921) cunhou o termo “neurônio” para designar a unidade anatômica e funcional do sistema nervoso.
Finalmente, veio a descoberta, por Charles Scott Sherrington (1857-1952), dos espaços existentes nas junções entre células nervosas ou entre estas e as células musculares. Sherrington chamou essas estruturas de “sinapses”.
 
 








Theodor Schwann
 
Santiago Ramón y Cajal
 
Camilo Golgi
 
Charles Sherrington
 
Wilhelm Waldeyer
 

Como se vê, há menos de três séculos o avanço do conhecimento permitiu que nossos cérebros e mentes deixassem de ser assombrados pelos espíritos gerados por nossa ignorância.

Bibliografia

  1. Blakemore, Colin  Mechanics of the Mind. Cambridge, Cambridge University Press, 1977.
  2. Finger, Stanley  Origins of  Neuroscience, A History of Explorations into Brain Function. New York, Oxford University Press, 1994.
  3. Milestones in Neuroscience Research.
  4. Sabbatini, R.M.E.: A História da Psicocirurgia. Revista Cérebro & Mente, 2 (1997)
  5. Sabbatini. R.M.E.: A Descoberta da Bioeletricidade. Revista Cérebro & Mente, 6 (1998).
  6. Wilkins, R.H. - Neurosurgical Classic-XVII. Edwin Smith Surgical Papyrus. Journal of Neurosurgery, March 1964, pages 240-244
  7. Poynter, Frederick N.L.(Ed.)  The History and Philosophy of  Knowledge of The Brain and its Functions: An Anglo-American Symposium, London, July, 1957. Springfield, Charles C. Thomas Publisher, 1958.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A Evolução Histórica dos Conceitos sobre Mente - parte II

por Ramon M. Consenza, MD, PhD
publicado em 31.12.2002 - Unicamp


Os Ventrículos e o Conceito de Mente 

Nemésio (320 D.C.), bispo de Emesia, na atual Síria, tomou as idéias de Galeno e baseou nos ventrículos as faculdades intelectuais. Em seu livro “Da Natureza do Homem”, onde ele tratava da fisiologia com base na medicina grega, consta que a alma não tem uma sede, mas as funções da mente, sim. Os ventrículos cerebrais, seriam responsáveis pelas operações mentais, desde a sensação até a memorização. O primeiro par de ventrículos seria  sede  do “senso comum”. Eles recebiam as informações vindas dos órgãos sensitivos e ali se dava a análise sensorial. As imagens formadas eram levadas ao ventrículo médio, sede da razão, do pensamento e do juízo. Só então entrava em ação o último ventrículo, sede da memória. Até a Idade Média, as figuras representando o cérebro mostram com destaque os ventrículos cerebrais.
A idéia de que espíritos circulavam pelos ventrículos, favorecida pela Igreja, foi predominante até a época do Renascimento. Em um livro do século XIII, denominado “Da Propriedade das Coisas”, uma compilação feita por Bartolomeu, o Inglês, afirma que “a cavidade anterior é macia e úmida para facilitar a associação das percepções sensoriais e a imaginação. A cavidade intermediária deve também ser quente, porque o pensamento é um processo de separação do puro do impuro, comparável à digestão e sabe-se que o calor é o principal fator na digestão. A cavidade posterior, no entanto é um local para armazenamento a frio, onde uma atmosfera seca e isenta de calor permite o armazenamento de bens. Por isso o cerebelo é mais duro, menos medular e gasoso que o resto do encéfalo”.
Leonardo da Vinci
Durante muitos séculos, portanto, falava-se em três ventrículos cerebrais, sendo os ventrículos laterais considerados em conjunto. Leonardo Da Vinci (1472-1519) que tinha o hábito da dissecação,  mostra nos seus desenhos os ventrículos laterais separados e não como um ventrículo único. Da Vinci acreditava que as sensações deveriam localizar-se no ventrículo médio (IIIo. ventrículo) porque para suas imediações cmnverge uma grande quantidade dos nervos cranianos.
Os ventrículos cerebrais desenhados por
Leonardo Da Vinci
 
Os ventrículos cerebrais, como aparecem no
livro de Hieronymus Brunschwig, publicado em
1525. Notar que as sensações visuais, gustativas,
lfatórias e auditivas são levadas ao ventrículo anterior.






Só no século XVI, Andreas Vesalius (1514-1564), autor do monumental tratado de anatomia “De Humani Corporis Fabrica”, rompe com a teoria da localização ventricular dos processos mentais argumentando que outros mamíferos (como o asno) têm a mesma organização anatômica e não possuem as mesmas capacidades intelectuais. Contudo, ele continuou a acreditar que os ventrículos cerebrais eram um local de armazenamento dos espíritos animais, de onde eles partiam para, através dos nervos, atingir os órgão sensoriais ou de movimento.
 
 



Andreas Vesalius


Capa de Humanis Corporis Fabrica
 
Ilustração do cérebro por Vesalius
 

sábado, 9 de outubro de 2010

A Evolução Histórica dos Conceitos sobre a Mente -parte I

por Ramon M. Consenza, MD, PhD
publicado em 31.12.2002 - Unicamp


Atualmente, o homem comum sabe que o cérebro é o órgão responsável pelo comportamento e pelas faculdades mentais. As pessoas cultas também sabem que fenômenos químicos e elétricos estão por trás do funcionamento do sistema nervoso. No entanto, esses conhecimentos são relativamente recentes e durante muitos séculos as crenças sobre a maneira de funcionar do cérebro foram radicalmente diferentes das que professamos hoje.
Há muito tempo os homens ligam o cérebro com as funções mentais. Crânios com perfurações feitas em vida, com sinais de cicatrização, foram encontrados em sítios que datam de até 10.000 anos atrás. Muito provavelmente, essas trepanações eram feitas com o intuito de possibilitar a saída de maus espíritos, que estariam atormentando o cérebro.
Essa ligação do cérebro às funções mentais era natural, pois os homens primitivos em todas as eras podiam observar que fortes traumas cranianos induziam a perda da consciência e da memória, e até convulsões, que levavam a alterações substanciais da percepção e do comportamento.
A maior e mais importante prova documental desse conhecimento foi extraido do famoso Papiro Cirúrgico de Edwin Smith, que foi escrito no Egito por volta de 1.600 AC. Ele contém as primeiras descrições conhecidas das suturas cranianas, da superfície externa do cérebro, do fluido cerebroespinal e das pulsações intracranianas. O autor do papiro descreve 30 casos clínicos de trauma cranioencefálico e da medula, notando como as várias injúrias cerebrais eram associadas a mudanças da função de outras partes do corpo, especialmente os membros inferiores, tais como contraturas hemiplégicas, paralisia, incontinência urinária, priapismo e emissão seminal associada a trauma da coluna.





Trepanação realizada em um crânio na América do Sul (astecas)

 
Trecho do Papiro Cirúrgico de Edwin Smith

Cérebro e Mente na Antiguidade

Na cultura ocidental, Alcmaeon de Crotona (Sec. V A.C.) foi possivelmente o primeiro a localizar no cérebro a sede das sensações. Para ele, os nervos ópticos, que seriam ocos, levavam a informação ao cérebro, onde cada modalidade sensorial teria seu próprio território de localização.
 Ainda no século V A.C., Demócrito, Diógenes, Platão e Teófrasto punham no cérebro o comando das atividades corporais. Também entre os gregos, Herófilo (335-280 A.C.) dissecou  e escreveu sobre o cérebro e foi o primeiro a descrever suas cavidades, os ventrículos cerebrais, que ele associou com as funções mentais. Essa idéia, como veremos, teve enorme importância na “neurofisiologia”  dos séculos que se seguiram.
Hipócrates (460-379 AC) acreditava que o cérebro era a sede da mente. Ele escreveu:
"Deveria ser sabido que ele é a fonte do nosso prazer, alegria, riso e diversão, assim como nosso pesar, dor, ansiedade e lágrimas, e nenhum outro que não o cérebro. É especificamente o órgão que nos habilita a pensar, ver e ouvir, a distingüir o feio do belo, o mau do bom, o prazer do desprazer. É o cérebro também que é a sede da loucura e do delírio, dos medos e sustos que nos tomam, muitas vezes à noite, mas ás vezes também de dia; é onde jaz a causa da insônia e do sonambulismo, dos pensamentos que não ocorrerão, deveres esquecidos e excentricidades".
É uma espantosa e clarividente declaração, tão moderna quanto a que qualquer neurocientista atual poderia fazer. É de se surpreender, portanto, que os filósofos e médicos posteriores a Hipócrates, por muitos e muitos séculos, tenham regredido notavelmente, ao deslocar a sede da mente para o coração, como veremos a seguir.
   





Hipócrates
Aristóteles
Platão
 
 

                         Demócrito                           Alcmeon

Aristóteles (384-322 A.C.), divergiu de seus contemporâneos e afirmava que o coração era o órgão do pensamento, das percepções e do sentimento, enquanto o cérebro seria importante para a manutenção da temperatura corporal, agindo como um agente refrigerador. Segundo ele, os nutrientes subiriam pelos vasos sangüíneos e uma parte deles, uma espécie de refugo, seria resfriada no cérebro, transformando-se em líquido, de uma forma análoga a que ocorre com a água na natureza, quando se forma a chuva.
Aristóteles generalizou erradamente uma noção bastante antiga em todas as civilizações, de que pelo menos a sede das emoções seria o coração. Até hoje somos influenciados por essa noção, quando nos referimos ao símbolo do amor como sendo um coração, quando dizemos que estamos de "coração partido" ou de "coração pesado", que gostamos de algo "de coração", ou até que "decoramos" alguma coisa (a palavra vem de "saber de cór", do latim para coração). Isso, provavelmente, deve-se ao fato que a ativação do sistema nervoso autônomo simpático, que ocorre na expressão das emoções, altera de forma sensível a freqüencia cardíaca e força das contrações. A associação do efeito à causa em sua expressão periférica gerou a interpretação errônea, a qual os filósofos naturais tentaram "explicar" cientificamente.
Galeno (130-200) rejeitou as idéias de Aristóteles, argumentando que não tinha sentido acreditar que o cérebro tivesse uma função de esfriar as paixões do coração. Galeno, foi um intenso dissecador (o animal de escolha era o boi) e prestou muita atenção às meninges e às cavidades encefálicas e menos atenção ao cérebro em si. Naquela época, trabalhando com material não fixado, era natural que os ventrículos chamassem muita atenção, pois o encéfalo aparecia apenas como uma geleia amorfa.



Galeno
Para Galeno, os nutrientes absorvidos nos intestinos passavam ao fígado, onde era produzido o espírito natural. Este era levado ao coração onde, no ventrículo esquerdo, transformava-se em espírito vital, que pelas carótidas se dirigia a uma rede de vasos na base do crânio, a rete mirabile. Aí misturava-se com o ar inspirado, formando o espírito animal, que era armazenado nos ventrículos cerebrais e deles difundia-se ao  cérebro. Este espírito animal, vindo da mistura de um líquido e do ar, era considerado como a essência da vida e fonte das faculdades intelectuais. Quando necessário, ele viajava através dos nervos, considerados estruturas ocas, para provocar movimentos ou mediar as sensações.
Para Galeno, o material processado na rete mirabile e nos ventrículos produzia uma certa quantidade de refugo, parte líquido, parte gasoso. A parte gasosa escapava pelas suturas entre os ossos e pelos seios aéreos do crânio, sem ser percebida pelos sentidos. A parte líquida escorria dos ventrículos anteriores para as lâminas crivosas dos ossos etmóides, ou então do terceiro ventrículo para a fossa pituitária. Daí chegava à cavidade nasal e era descartada como flegma, ou muco.