sábado, 1 de outubro de 2011

História da Neurofisiologia no Brasil - parte final

Por Cesar Timo-Iaria

No final da década de 1950 dois eminentes fisiologistas sairam das fileiras de alunos da Faculdade Nacional de Medicina e juntaram-se a Carlos Chagas Filho: Eduardo Oswaldo-Cruz Filho e Carlos Eduardo Guinle da Rocha-Miranda. Os descendentes acadêmicos de Oswaldo-Cruz e de Rocha-Miranda constituem hoje multidão. Além de hábeis eletrofisiologistas, esses dois importantes cientistas iniciaram no Brasil a neuroanatomia hodológica, dedicando-se sobretudo ao estudo dos sistemas visual e olfativo do gambá e de macacos. São muitos os descendentes científicos de Oswaldo-Cruz e Rocha-Miranda no próprio Instituto de Biofísica UFRJ e outros espalhados pelo Brasil, inclusive um forte grupo especializado em fisiologia visual em Belém, Pará, e um grupo no Departamento de Fisiologia e Biofísica da USP em São Paulo que realiza pesquisas em neuroanatomia hodológica, iniciado com Sarah Shammah Lagnado, treinada que foi no Instituto de Biofísica. Rocha-Miranda foi o primeiro biólogo brasileiro a utilizar computação eletrônica em suas pesquisas no Brasil. Seu Digital tornou-se disputadíssimo quando ainda era o único computador do país em uma instituição dedicada ao estudo da Biologia.

Outro grande pioneiro da neurofisiologia no Brasil foi, sem dúvida, Miguel Rolando Covian, que em 1955 veio da Argentina para dirigir o então Departamento de Fisiologia e Biofísica da Faculdade de Medicina que a Universidade de São Paulo instalara em Ribeirão Preto em 1952 e lá criou uma escola com ramificações por todo o Brasil. Covian, discípulo do grande Houssay, tinha forte cultura em Fisiologia, navegando bem em fisiologia endócrina, cardiovascular e nervosa. Oriundo de importante laboratório de fisiologia endócrina, Covian foi, independentemente de Thales Martins e Ribeiro do Valle, um dos criadores da neuroendocrinologia. Seu principal herdeiro é José Antunes-Rodrigues, atual presidente da Sociedade Brasileira de Fisiologia e um dos grandes nomes da neuroendocrinologia moderna, que também muito ajudou a criar. Os discípulos de Antunes-Rodrigues se espalham por várias universidades brasileiras, sendo de se notar o da Faculdade de Odontologia da UNESP em Araraquara SP e o da Universidade Federal da Bahia.

Eu também sou descendente de Covian, que foi meu mestre em eletrofisiologia. Mais de uma dezena de minha centena de discípulos são ou foram professores titulares, dos quais 2 nos Estados Unidos, 1 na Alemanha e 1 na Itália. Devo destacar dentre esses titulares Luiz Roberto Giorgetti Britto, que também fez escola, com discípulos na Universidade de São Paulo e em outros Estados do Brasil, e Armando Freitas da Rocha, que pontificou na UNICAMP, onde se tornou um grande experto em matemática aplicada à Biologia.

Nos Estados do Norte e Nordeste a Neurofisiologia conta com bons laboratórios em Belém do Pará e em Salvador, o primeiro com raízes no Instituto de Biofísica, o segundo em Ribeirão Preto, de onde também se originou o grupo de Luiz Carlos Schenberg, que hoje pontifica em Vitória, Espírito Santo, descendente de Frederico Guilherme Graeff, importante líder de pesquisas sobre comportamentos defensivos.

Em Minas Gerais a Neurofisiologia teve desenvolvimento modesto mas há que destacar ex-alunas de Covian que pesquisam em neuroendocrinologia e Fernando Pimentel, que estuda comportamentos. No Paraná há um grupo em Curitiba, criado por Chang Yong-Chang, outro em Londrina e outro, ainda incipiente, em Maringá. Em Santa Catarina os grupos ativos descendem de José Marino Neto, por sua vez descendente de Juarez Aranha Ricardo, da USP.

No Rio Grande do Sul destaca-se o Centro de Memória, no qual o grupo de pesquisadores criado por Ivan Izquierdo é, sem dúvida, um dos mais importantes do mundo na atualidade, e o grupo de neuroanatomia do Instituto de Ciências Básicas da Saúde, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Os campos da Neurobiologia em que os brasileiros trabalham são múltiplos. Destaco dentre eles:

a) os estudos de fisiologia e hodologia do sistema visual, realizados no Instituto de Biofísica do Rio de Janeiro, em Belém do Pará e no Instituto de Ciências Biomédicas USP; deve-se destacar, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, a pesquisa feita por Dora Fix Ventura e seus colegas, que há muitos anos vêm estudando várias características do sistema visual, sobretudo os sensores visuais, campo em que seu grupo se destaca internacionalmente;

b) memória e aprendizado, realizados no Laboratório de estudos de memória da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Universidade Federal de Minas Gerais, no Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo, no Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências USP, no Departamento de Fisiologia da UNICAMP e no Instituto de Psicologia USP;

c) comportamentos defensivos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto e no Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Espírito Santo;

d) fisiologia do sono no Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, em nosso Laboratório na Faculdade de Medicina e no Instituto do Coração, da USP;

e) fisiologia da atividade mental no Instituto de Biofísica UFRJ, no Centro de Neurociências e Comportamento e em nosso Laboratório na Faculdade de Medicina, ambos da USP e no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina USP.

f) regulação do sistema cardiovascular: Instituto do Coração USP, onde avultam as pesquisas sobre um modelo de hipertensão neurogênica criado por Eduardo Moacyr Krieger (o mais antigo a pesquisar sistematicamente em fisiologia cardiovascular no país) e sobre os mecanismos do choque hemorrágico e sua recuperação por administração de solução hipertônica; Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP; Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo; Departamento de Fisiologia da UFRGS; Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de Minas Gerais; Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas USP; Departamento de Fisiologia e Biofísica do Centro de Ciências Fisiológicas Universidade Federal do Espírito Santo; Instituto de Biofísica UFRJ;

g) regulação do sistema endócrino, comportamento alimentar e de ingestão de água: Departamentos de Fisiologia e de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP, em linha de pesquisa criada por Miguel Rolando Covian e elevada ao cume no panorama nacional por José Antunes-Rodrigues e seus discípulos; Departamento de Bioquímica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP, em linha de pesquisa criada por Renato Helios Migliorini e continuado por seus vários discípulos locais e em Maringá; Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas USP, criado por Naomi Shinomiya Hell e hoje continuado por seus vários discípulos; Departamento de Fisiologia UFRGS; Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade Estadual de Londrina Paraná; Departamento de Fisiologia da Universidade Estadual de Maringá, Paraná; Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de Minas Gerais; Departamento de Bio-regulação da Universidade Federal da Bahia; Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo; Departamento de Fisiologia da Faculdade de Odontologia UNESP Araraquara; Laboratório de Neurocirurgia Funcional (nosso laboratório) e Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina USP; Instituto de Biofísica UFRJ.

h) a neurofarmacologia é um campo muito desenvolvido nas Universidades Federais da Bahia, do Espírito Santo, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e de São Paulo, assim como na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, nas Universidades Estaduais de Londrina e de Maringá (PR), no Instituto de Biociências USP, no Instituto de Ciências Biomédicas USP, no Instituto de Biologia da UNICAMP e no Instituto de Biociências da UNESP (SP).
Uma análise da evolução da fisiologia no Brasil a que procedemos para o CNPq há alguns anos revelou que os campos da Fisiologia que mais cresceram no país, em termos de produção científica e de pós-graduados, foram a Neurofisiologia e a Endocrinologia, seguidas da Fisiologia Cardiovascular. Tal crescimento ocorre de forma exponencial, como bem se nota nos congressos anuais da FESBE. A influência da FAPESP nesse rápido crescimento tem sido de inestimável valor no Estado de São Paulo. Não há dúvida de que se as várias outras fundações de amparo à pesquisa que existem no Brasil financiarem a pesquisa como dispõem as leis que as criaram e se criarem empregos para absorver os milhares de egressos da pós-graduação, o progresso será ainda mais rápido, tornando ainda mais patente a contribuição dos cientistas e pesquisadores brasileiros para o conhecimento em um campo em que desde as primeiras décadas se colocam entre os melhores.

créditos: Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento