terça-feira, 30 de novembro de 2010

Robôs com sonho de Pinóquio - parte final

O pai da robótica
 
Eu, robô e outros contos com o mesmo tema publicados por Asimov tiveram grande influência, mais tarde, no nascimento e no desenvolvimento da robótica. A noção que o autor criou de robô – como um humanóide assemelhado ao ser humano –ainda permanece.
O professor de Engenharia mecânica da UFPR Alcy Rodolfo dos Santos Carrara explica que somente na década de 60, depois da invenção de motores elétricos, sensores de precisão e do computador, os robôs foram desenvolvidos. Os primeiros eram baseados em algumas articulações do corpo humano. Os movimentos eram chamados de cintura, ombro e punho, mas tinham um grau de liberdade bem menor. “Enquanto a mão de uma pessoa possui 14 articulações, os primeiros braços mecânicos possuíam apenas seis”, afirma.
Inicialmente, os robôs eram destinados a alimentar prensas e ao carregamento de máquinas. Não possuíam um programa muito sofisticado, pois tinham que ser precisos no desempenho de tarefas. “A inteligência artificial (IA) permite que um robô tome decisões até certo ponto. E, na indústria, o trabalho deve ser rápido e sucinto”, afirma Carrara. Esses primeiros humanóides deram início à Robótica Fixa, ou Clássica, que permanece na indústria até hoje.
Com o aperfeiçoamento da precisão dos robôs, esses têm sido utilizados até na área médica. Segundo o professor Hugo Vieira, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), nas intervenções em que o médico deve ser o mais cuidadoso possível, como correção de miopia, já se utiliza essa tecnologia. Em outros casos, quando o paciente não pode ser removido ou o médico não consegue chegar ao local, a equipe usa a operação à distância. O cirurgião movimenta controles em um local que faz o robô agir em outro. “Essas cirurgias podem ser feitas até mesmo com o médico do outro lado do mundo. Mas não se dispensa a presença de uma junta médica para o caso de falhas com a máquina”, informa Vieira.

Robôs inteligentes

O desenvolvimento de softwares e programas de computador, associados aos circuitos elétricos, aumentou a inteligência artificial dos robôs, cada vez mais autônomos. Vieira conta que as novas tecnologias no ramo da robótica possibilitam que um humanóide aprenda tarefas com base no reconhecimento do ambiente. “Os robôs mais modernos podem aprender uma atividade por meio de interpretação visual, a partir de uma demonstração e de uma seqüência de instruções”, afirma.
De acordo com o professor, alguns estudos apontam a criação de robôs que podem andar e desviar de obstáculos guiados pela percepção de aprendizagem. Para isso, os sistemas devem ser dotados de sensores e câmeras para transmissão de informação visual do ambiente. Um desses dispositivos é o sonar – equipamento que emite ondas sonoras e permite saber, pelo eco, a distância até um obstáculo. O robô necessita de um mapa de representação para aprender a andar no espaço.
Este ano, Vieira está coordenando uma equipe de alunos de Mecatrônica para organização de um campeonato de futebol de robôs. Eles utilizam câmeras que transmitem informações ao computador e repassam instruções para as máquinas se situarem em campo. Isso permite que eles saibam onde está a bola e para quem chutar. “Esse evento ajuda a atrair os alunos para a área da robótica. Através de um dispositivo simples eles aprendem e se divertem”, diz.

Interdisciplinaridade

A professora Aurora Trindad Ramirez Pozo, do departamento de Informática da UFPR, mostra que os softwares desenvolvidos ajudam a estimular e reforçar os pontos positivos do desempenho de um humanóide. “É como uma espécie de adestramento da máquina. Os programas simulam sentimentos bons para tarefas corretas e ruins para incorretas”, explica. Para isso, existem várias linhas de pesquisas no campo da inteligência artificial. “São diversas áreas de percepção humana estudadas. Elas são bases para a criação dos softwares dos andróides”, completa.
Com isso, correntes de pesquisa e estudos em diferentes áreas são importantes para o desenvolvimento da IA. Não bastam apenas a eletrônica, a mecânica e a informática, mas também são necessárias a biologia e a psicologia, por exemplo – para analisar comportamento humano. Segundo Aurora, alguns especialistas já estudam se um robô pode ter sentimentos, o que envolve questões filosóficas.
 
Amor às letras e às máquinas

Isaac Asimov nasceu na antiga Tchecoslováquia, em 2 de janeiro de 1920. Foi com a família para os Estados Unidos em 1923. Desde pequeno foi uma criança estudiosa. Aos 19 anos concluiu sua faculdade de engenharia química na Universidade de Columbia e em 1949 fez doutorado em bioquímica. Depois, lecionou na Universidade de Boston.
Na década de 1940, começou a escrever contos de ficção científica, que eram publicados em revistas. Somente em 1950 tem seus dois primeiros livros publicados: Pebble in the sky (Seixo no céu) e, em seguida, Eu, robô. Posteriormente, escreve obras de divulgação científica, sem perder o foco na ficção.
Na década de 70 publica a novela O homem bicentenário, que conta a história de um robô que tinha o sonho de se tornar humano. Em 1999, a obra foi adaptada para o cinema com o mesmo nome, protagonizada por Robin Williams no papel de Andrew. Muitos de seus livros foram adaptados para vídeo, depois de vender os direitos de filmagem para estúdios de Hollywood.
Ainda nos anos 70, concordou com a criação da revista Asimov’s Science Fiction, que tem circulação periódica até hoje.
Escreveu contos até sua morte, em 1992.

Isaak Asimov na pintura de Rowena, uma artista conhecida por suas ilustrações de fantasia

Publicada em 25/04/08 às 19h01
Reportagem Rodrigo Batista
Edição Suelen Trevizan

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Robôs com sonho de Pinóquio - parte I

Os contos de Eu, robô influenciaram a literatura de ficção científica, o cinema e a robótica

Robôs que pensam, agem, falam. Máquinas com forma de humanos e até mesmo com sentimentos. Algumas dessas características podem parecer estranhas e improváveis para nós. Mas, há quase 60 anos, Isaac Asimov publicou Eu, robô. São nove contos que mostram a convivência de pessoas com máquinas inteligentes. Situações que passam pelo convívio em família e pelas relações profissionais.
O livro, lançado em 1950, traz vários casos – algumas vezes emotivos, outras, engraçados – que exploram as contradições dos princípios da robótica na relação do homem com as máquinas pensantes. Essas leis foram, inclusive, criadas por Asimov e introduzidas na literatura com Eu, robô. Segundo Marcello Simão Branco, editor do fanzine de ficção científica e horror Megalon, o autor buscou com esse livro quebrar a teoria de que a invenção do homem seria capaz de o dominar e destruir. “A população temia que os humanóides invadissem o seu espaço e tomassem seus empregos, tendo em vista os avanços tecnológicos da época”. 

As Leis da Robótica criadas por Asimov

1) Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.
 2) Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a primeira lei.
3) Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a primeira e a segunda lei.
Asimov deixou de lado a imagem negativa das máquinas, como era o caso do monstro Frankenstein, para formar uma idéia mais humana. “Ele imaginava o robô como um novo ser. Por isso, o descrevia com formato humanóide, para dar mais proximidade e intimidade à relação com o homem”, explica Branco. “O objetivo do autor foi mostrar a dualidade entre benefícios e malefícios dessa interação, e não só o lado ruim da convivência”, completa. 

A visão futurista de Asimov
 
Eu, robô mostra situações que até hoje são improváveis. As tecnologias descritas no livro são avançadas para o início do século XXI. O primeiro conto (Robbie), por exemplo, retrata a relação afetiva entre um robô e uma menina. A ação se passa no ano de 1998, época em que apenas projetos e protótipos de máquinas com formas humanas eram realidade.
Mas a obra vai além. Mostra ambientes inóspitos, lugares onde até hoje um homem jamais pisou ou planejou estar, como asteróides, bases próximas ao Sol ou em Mercúrio. As máquinas são capazes de diversas atitudes, como venerar seus semelhantes, mentir, ler pensamentos e até governar populações. “Com isso, Asimov mostra o processo de evolução e aperfeiçoamento deles”, afirma Branco.
O livro foi adaptado para o cinema em 2004, com o mesmo nome e protagonizado por Will Smith. Porém, desviou do padrão da obra impressa ao seguir a linha policial. Outros filmes também foram baseados ou tiveram influência de obras de Asimov, como O Homem Bicentenário e AI – Inteligência Artificial, respectivamente.
Apesar de tudo, o escritor não é o pai da expressão ‘robô’. O verdadeiro criador foi Karel Capek, filósofo e escritor tcheco, no início do século XX. Escreveu, entre tantos, um conto em que a humanidade era ameaçada por uma máquina de sua invenção, o robot. O termo significa trabalhador forçado, mas se popularizou como referente aos mecanismos da indústria utilizados mais tarde. 



Assim como Pinóquio, os robôs de Asimov muitas vezes agem como humanos
O filme Metropólis (1927), de Fritz Lang, traz um dos primeiros robôs do cinema

Publicada em 25/04/08 às 19h01
Reportagem Rodrigo Batista
Edição Suelen Trevizan 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Robôs orgânicos, órgãos artificiais e inteligência artificial. Será possível?

Exterminadores do futuro, replicantes de prazer básico, filhos adotivos. No cinema, os robôs já exerceram todos os tipos de função imaginados. Na vida real, bom, eles ainda não fazem muita coisa. Desfilam, cuidam de idosos, resgatam pessoas e... abrem geladeiras.

"A inteligência artificial evoluiu numa velocidade menor do que se previa", explica João Antonio Zuffo, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. "Hoje existem apenas sistemas especialistas, como o Deep Blue, o robô que derrotou o enxadrista russo Kasparov. Acredito que a partir de 2020 já esteja bastante evoluída, uma inteligência artificial como se fosse humana". Aí sim teríamos replicantes como Blade Runner e robôs sentimentais como em Inteligência Artificial (bom, alguns robôs já pensam sozinhos)

Mas essa tecnologia não se resume apenas a criar novos seres, mas também em aplicações em seres humanos. "Pode-se falar em microrrobótica e nanorrobótica, como robôs orgânicos e máquinas orgânicas para combater doenças", diz o professor Zuffo. Isso seria um passo para a criação de órgãos artificiais que sejam naturalmente aceitos pelo organismo, pois seu combustível seriam açúcares, como no corpo humano.

E apoiando-se nessa tendência de convergência das ciências, a coisa vai mais longe mesmo. Shozo Motoyama, especialista em História da Ciência da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, aposta em tecnologias biomédicas apoiadas no desenvolvimento da biologia molecular, genética e informática. "Ou seja, dentro de mais ou menos meio século, o nosso conhecimento da biotecnologia aliado ao avanço informático-computacional proporcionará não só a cura das doenças como aperfeiçoará biologicamente o ser humano que só morrerá por causa da sua própria burrice e egoísmo", aposta o professor. Na prática, seriam chips de DNA e proteína que atuariam como remédios personalizados, já que os remédios atuais são "universais", ou seja, todo mundo toma o mesmo medicamento mesmo possuindo organismos diferentes.

Pode ser que a gente não tenha replicantes rebeldes em nossa companhia tão cedo, mas podemos ter microrrobôs dentro da gente cuidando da nossa saúde. Ao mesmo tempo assustador e reconfortante.

LUIZ FUKUSHIRO | Do UOL Tecnologia       03/04/2009 - 07h02

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Psicanálise e Neurociência Cognitiva

As teorias psicanalíticas desenvolvidas por Freud e seus seguidores marcaram profundamente os vários domínios do conhecimento no nosso século. A grande capacidade da Psicanálise, em elaborar teorias compreensivas sobre a mente e suas correlações com seus múltiplos distúrbios, tornou possível uma abordagem mais humanista sobre as diversas doenças mentais. Uma de suas grandes contribuições foi a de abrir perspectivas mais científicas e menos religiosas para um entendimento dos modelos de funcionamento mental e suas variações. Suas descobertas na primeira metade deste século sobre sexualidade, desenvolvimento do psiquismo infantil, desejos, motivações conscientes e inconscientes, mecanismos de respostas à dor mental, correlação princípio de prazer versus princípio de realidade, determinismo psíquico, memórias autobiográficas, entre outros tantos fenômenos mentais, revolucionaram enormemente nossa compreensão sobre a vida mental. Ela nos forneceu um corpo de idéias altamente coerente sobre os referidos fenômenos. A introdução de novos processos de investigação psicológica baseados em uma nova escuta do paciente - observação de detalhes de sua relação com o analista no processo de transferência, interpretação dos conteúdos mentais, dentro de uma relação de significados e o acompanhamento dos efeitos sobre a vida anímica do paciente - trouxe um novo e poderoso instrumento compreensivo.
No entanto, devido à carência de desenvolvimentos nas áreas da biologia, bioquímica e fisiologia do comportamento e das memórias para sua época, e ressaltadas por Freud nos seus primeiros escritos, suas investigações sobre os fenômenos mentais se encaminharam para o domínio da Filosofia, mais específicamente para a Metafísica, criando, desta forma, uma fenda involuntária entre estas ciências e a Psicanálise. Por esta razão, no entender de vários pensadores e investigadores atuais, a dicotomia entre a Psicanálise e as demais ciências da mente estaria nas raízes do declínio da Psicanálise, verificado na última metade do século, ao contrário dos avanços obtidos até então. Verificou-se uma diminuição sensível na geração de psicanalistas em gerar novas investigações e de intervenções nos quadros clínicos das Depressões, nas Esquizofrenias e demais Psicoses e nas Psicopatias, ficando restrita à compreensão e manejo dos quadros Neuróticos.
Muitos psicanalistas da atual geração preferem permanecer dentro de concepções estratificadas da Psicanálise. No entanto, se a Psicanálise pretende manter sua vitalidade, e muitos analistas assim aspiram, se deseja evoluir e continuar contribuindo para uma nova ciência emergente da mente, ela terá que se envolver com os demais pesquisadores da mente, no sentido de se alimentar com as novas descobertas realizadas nas últimas décadas nos campos da neurobiologia, neurofisiologia, psicologia genética, e demais ciências biológicas. Autores respeitados , como Eric R. Kandel sugerem que a colaboração mútua seria extremamente preciosa para todos, no estabelecimento de novos paradiígmas no campo dos Distúrbios Mentais. Nesta nova ciência emergente, a colaboração seria muito proveitosa. Pela compreensão das memórias e sua dinâmica nas amnésias, que acompanham os vários casos de Demências Senis, Vasculares e de Alzheimer, assim como alterações biológicas e comportamentais observadas nos vários quadros de Autismo Infantil, participação do eixo hipotálamo-hipofisário nos quadros de estresse crônico e suas relações com a ansiedade patológica, alterações genéticas nos vários subtipos de Depressão e suas correlações com os afetos, processos de atenção e memória., seriam alguns exemplos de parceria proveitosa.
A Psicanálise constitui um corpo de idéias ímpar e valioso. De todas as formas de intervenção psicoterápica é a mais consistente e a mais efetiva. Por que não se estudar as alterações cerebrais decorrentes das suas intervenções? Por que não avaliar seus benefícios em pacientes que se utilizam da psicofarmacologia e sua atuação nos pacientes, desde o vértice psicodinâmico? Por que não estudar o excesso de influência dos glicocorticóides nas atrofias neuronais do hipocampo e rastrear este comprometimento na mente do paciente dentro do setting analítico?
É importante que se tenha presente que a Genética não deixou de existir com a parceria da Biologia Molecular. Muito pelo contrário. Ela se enriqueceu e permitiu uma evolução muito mais consistente e útil. Se a própria Psicanálise ainda não tem estabelecida, de maneira suficientemente clara, a questão das diferenciações, identificações, e preferências e orientações sexuais, se faz necessária uma parceria com os demais investigadores da área em apreço. Neste sentido, a Biologia e a Etologia têm muito a contribuir para a Psicanálise e vice-versa. O talento de muitos gênios é genético, porém existem evidências de que esse talento tem também muito a ver com a época de vida em que eles se dedicararam às atividades que os tornararam diferentes, possiívelmente desenvolvendo regiões cerebrais de maneira mais ampla e complexa. Desta forma, muitos estudiosos têm proposto um diálogo efetivo, uma parceria da Psicanálise com as ciências biológicas. Biologia como fator necessário para se alcançar uma melhor e mais sofisticada compreensão da relação mente-cérebro, se é que a Psicanálise pretende ascender à condição de ciência e não á Metafísica., buscando a integração tão almejada por Freud.

São Paulo, julho de 1999

Wanderley M. Domingues
 psiquiatra e psicanalista

sábado, 6 de novembro de 2010

NEUROCIÊNCIA COGNITIVA E A NOSSA REALIDADE

Uma das subdivisões do estudo da neurociência é a neurociência cognitiva que aborda os campos de pensamento, aprendizado e memória. O estudo do planejamento, do uso da linguagem e das diferenças entre a memória para eventos específicos, e a memória para a execução de habilidades motoras, são exemplos da análise ao nível cognitivo.
Para Kandel, ganhador do Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina em 2000, a neurociência atual é a neurociência cognitiva, um misto de neurofisiologia, anatomia, biologia desenvolvimentalista, biologia celular e molecular e psicologia cognitiva.

A sensação e a percepção são o ponto de partida para a pesquisa moderna dos processos mentais. John Locke e cols. sustentaram que todo conhecimento é obtido por meio da experiência sensória – daquilo que nós vemos, ouvimos, sentimos, degustamos e cheiramos. Ele propôs que, ao nascimento, a mente humana seria como uma tabula rasa, uma folha vazia onde a experiência deixaria suas marcas.


Vamos então supor que a Mente pudesse ser, como se diz, um papel em branco sem quaisquer letras, sem quaisquer idéias; Como então ela poderia ser mobiliada? De onde vêm todos os materiais da razão e do pensamento? Para isso eu respondo, em uma palavra, da Experiência. Experiência que se fundamenta todo nosso conhecimento e, a partir dela, em última análise, ele se origina.


As experiências que passamos em nossas vidas são informações que chegam ao sistema nervoso central na forma de estímulos sensoriais. O encéfalo processa essas informações procurando compará-las com outras que já estejam previamente guardadas, reconhecendo-as ou não. Esse mecanismo não envolve apenas os aspectos físicos dessa informação (cor, forma, tamanho), mas também as relacionando com os aspectos diretamente ligados aos sentimentos e emoções. Após seu processamento, um conjunto de sensações é memorizado com a informação recebida que pode ser agradável ou não.

Os cinco órgãos dos sentidos são canais de captação dessas novas informações, mas eles apresentam algumas limitações. Por exemplo, nem todas as freqüências sonoras são percebidas pelo nosso sistema auditivo, isto é, nem todos os sons que percebemos, são interpretados pelo nosso encéfalo.

Além disso, nossas percepções diferem qualitativamente das propriedades físicas dos estímulos, visto que o sistema nervoso extrai somente determinadas partes da informação de cada estímulo, enquanto ignora outras, e assim interpreta esta informação no contexto das estruturas encefálicas e das experiências prévias. Assim, nós recebemos ondas eletromagnéticas de diferentes freqüências , mas as percebemos como as cores vermelho, azul e verde. Recebemos ondas de pressão dos objetos vibrando em diferentes freqüências, mas ouvimos sons, palavras e música.

Cores, sons, sabores e odores são criações mentais construídas pelo encéfalo a partir da experiência sensória. Elas não existem, como tal, fora do encéfalo.

Mesmo que nossas percepções quanto ao tamanho, forma e cor dos objetos sejam derivadas de padrões de luz que chegam às nossas retinas, nossas percepções, ainda assim, parecem corresponder às propriedades físicas dos objetos. Na maioria das vezes podemos usar nossas percepções para manipular um objeto e predizer aspectos do seu comportamento. A percepção permite que organizemos características essenciais de um objeto o suficiente para podermos manipulá-lo apropriadamente. Assim, nossas percepções não são registros diretos do mundo ao nosso redor. Ao contrário, elas são formadas internamente, de acordo com as limitações impostas pela arquitetura do sistema nervoso e por suas habilidades funcionais.

A realidade existente ao nosso redor, no mundo exterior, é filtrada por diversos mecanismos, muitas vezes, distorcendo-os. Somente as informações que chegam a ser processadas pelo nosso encéfalo é que constroem uma realidade própria, dentro da interpretação de nosso próprio sistema nervoso, sempre baseado em nossas capacidades cognitivas.

Tem sido dito que a beleza está nos olhos de quem a vê. Como hipótese... essa idéia indica claramente o problema central da cognição... o mundo da experiência é produzido pelo homem que a vivencia... Com certeza existe um mundo real de árvores, pessoas carros e mesmo livros, que tem uma grande relação com a nossa experiência desses objetos. Nós, no entanto, não temos acesso direto ao mundo real, nem a qualquer de suas propriedades.


Tudo o que sabemos sobre a realidade é mediada não somente pelos órgãos do sentido, mas também por complexos sistemas que interpretam e reinterpretam a informação sensória... O termo “cognição” se refere a todos os processos pelos quais uma aferência sensória é transformada, reduzida, elaborada, armazenada, recuperada e utilizada  -  (ULRIC NEISSER, 1967)


A percepção da realidade criada pelo seu cérebro (realidade subjetiva) corresponde totalmente à realidade existente ao seu redor (realidade objetiva) ou é apenas parcial?

E se essa realidade (subjetiva) pudesse ser influenciada ou alterada se tivéssemos um controle maior dos padrões de pensamentos utilizados por nossa memória para comparar informações pré-concebidas com as novas? Não teríamos outra conscientização de uma mesma realidade (objetiva)?

A Realidade Objetiva é aquela  intangível pela restrição perceptiva de nossos cinco sentidos. A Realidade Subjetiva é aquela resultante da assimilação dos estímulos externos filtrados pela nossa capacidade cognitiva que nem sempre corresponde à realidade objetiva e na qual orientamos nossa vida em função da mesma, tornando-se assim, plenamente mutável.

A ciência já conhece a capacidade de reorganização e reestruturação de nossas conexões neurais (neuroplasticidade). Técnicas de reprogramação mental surgem a cada dia. Até quando continuaremos a vivenciar experiências que culminem na obrigação de vivermos dentro de uma realidade insatisfatória e desagradável, se dentro de nós mesmos existe a possibilidade de fazer mudanças e transformar nossas realidades? Tudo depende da conscientização e da vontade de cada um.

Baseado na obra de KANDEL, E.R. et al.- Principles of Neural Science. 4ª ed.


 
Artigo transcrito da Sociedade Brasileira de Neurociência