sábado, 6 de novembro de 2010

NEUROCIÊNCIA COGNITIVA E A NOSSA REALIDADE

Uma das subdivisões do estudo da neurociência é a neurociência cognitiva que aborda os campos de pensamento, aprendizado e memória. O estudo do planejamento, do uso da linguagem e das diferenças entre a memória para eventos específicos, e a memória para a execução de habilidades motoras, são exemplos da análise ao nível cognitivo.
Para Kandel, ganhador do Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina em 2000, a neurociência atual é a neurociência cognitiva, um misto de neurofisiologia, anatomia, biologia desenvolvimentalista, biologia celular e molecular e psicologia cognitiva.

A sensação e a percepção são o ponto de partida para a pesquisa moderna dos processos mentais. John Locke e cols. sustentaram que todo conhecimento é obtido por meio da experiência sensória – daquilo que nós vemos, ouvimos, sentimos, degustamos e cheiramos. Ele propôs que, ao nascimento, a mente humana seria como uma tabula rasa, uma folha vazia onde a experiência deixaria suas marcas.


Vamos então supor que a Mente pudesse ser, como se diz, um papel em branco sem quaisquer letras, sem quaisquer idéias; Como então ela poderia ser mobiliada? De onde vêm todos os materiais da razão e do pensamento? Para isso eu respondo, em uma palavra, da Experiência. Experiência que se fundamenta todo nosso conhecimento e, a partir dela, em última análise, ele se origina.


As experiências que passamos em nossas vidas são informações que chegam ao sistema nervoso central na forma de estímulos sensoriais. O encéfalo processa essas informações procurando compará-las com outras que já estejam previamente guardadas, reconhecendo-as ou não. Esse mecanismo não envolve apenas os aspectos físicos dessa informação (cor, forma, tamanho), mas também as relacionando com os aspectos diretamente ligados aos sentimentos e emoções. Após seu processamento, um conjunto de sensações é memorizado com a informação recebida que pode ser agradável ou não.

Os cinco órgãos dos sentidos são canais de captação dessas novas informações, mas eles apresentam algumas limitações. Por exemplo, nem todas as freqüências sonoras são percebidas pelo nosso sistema auditivo, isto é, nem todos os sons que percebemos, são interpretados pelo nosso encéfalo.

Além disso, nossas percepções diferem qualitativamente das propriedades físicas dos estímulos, visto que o sistema nervoso extrai somente determinadas partes da informação de cada estímulo, enquanto ignora outras, e assim interpreta esta informação no contexto das estruturas encefálicas e das experiências prévias. Assim, nós recebemos ondas eletromagnéticas de diferentes freqüências , mas as percebemos como as cores vermelho, azul e verde. Recebemos ondas de pressão dos objetos vibrando em diferentes freqüências, mas ouvimos sons, palavras e música.

Cores, sons, sabores e odores são criações mentais construídas pelo encéfalo a partir da experiência sensória. Elas não existem, como tal, fora do encéfalo.

Mesmo que nossas percepções quanto ao tamanho, forma e cor dos objetos sejam derivadas de padrões de luz que chegam às nossas retinas, nossas percepções, ainda assim, parecem corresponder às propriedades físicas dos objetos. Na maioria das vezes podemos usar nossas percepções para manipular um objeto e predizer aspectos do seu comportamento. A percepção permite que organizemos características essenciais de um objeto o suficiente para podermos manipulá-lo apropriadamente. Assim, nossas percepções não são registros diretos do mundo ao nosso redor. Ao contrário, elas são formadas internamente, de acordo com as limitações impostas pela arquitetura do sistema nervoso e por suas habilidades funcionais.

A realidade existente ao nosso redor, no mundo exterior, é filtrada por diversos mecanismos, muitas vezes, distorcendo-os. Somente as informações que chegam a ser processadas pelo nosso encéfalo é que constroem uma realidade própria, dentro da interpretação de nosso próprio sistema nervoso, sempre baseado em nossas capacidades cognitivas.

Tem sido dito que a beleza está nos olhos de quem a vê. Como hipótese... essa idéia indica claramente o problema central da cognição... o mundo da experiência é produzido pelo homem que a vivencia... Com certeza existe um mundo real de árvores, pessoas carros e mesmo livros, que tem uma grande relação com a nossa experiência desses objetos. Nós, no entanto, não temos acesso direto ao mundo real, nem a qualquer de suas propriedades.


Tudo o que sabemos sobre a realidade é mediada não somente pelos órgãos do sentido, mas também por complexos sistemas que interpretam e reinterpretam a informação sensória... O termo “cognição” se refere a todos os processos pelos quais uma aferência sensória é transformada, reduzida, elaborada, armazenada, recuperada e utilizada  -  (ULRIC NEISSER, 1967)


A percepção da realidade criada pelo seu cérebro (realidade subjetiva) corresponde totalmente à realidade existente ao seu redor (realidade objetiva) ou é apenas parcial?

E se essa realidade (subjetiva) pudesse ser influenciada ou alterada se tivéssemos um controle maior dos padrões de pensamentos utilizados por nossa memória para comparar informações pré-concebidas com as novas? Não teríamos outra conscientização de uma mesma realidade (objetiva)?

A Realidade Objetiva é aquela  intangível pela restrição perceptiva de nossos cinco sentidos. A Realidade Subjetiva é aquela resultante da assimilação dos estímulos externos filtrados pela nossa capacidade cognitiva que nem sempre corresponde à realidade objetiva e na qual orientamos nossa vida em função da mesma, tornando-se assim, plenamente mutável.

A ciência já conhece a capacidade de reorganização e reestruturação de nossas conexões neurais (neuroplasticidade). Técnicas de reprogramação mental surgem a cada dia. Até quando continuaremos a vivenciar experiências que culminem na obrigação de vivermos dentro de uma realidade insatisfatória e desagradável, se dentro de nós mesmos existe a possibilidade de fazer mudanças e transformar nossas realidades? Tudo depende da conscientização e da vontade de cada um.

Baseado na obra de KANDEL, E.R. et al.- Principles of Neural Science. 4ª ed.


 
Artigo transcrito da Sociedade Brasileira de Neurociência

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Equipe COG