terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

NEUROCIÊNCIA - parte 2/2

Linguagem e outras funções de alto nível

A área de Broca e área de Wernicke

Em 1861,o neurologista francês Paul Broca identificou um paciente que era quase totalmente incapaz de falar e tinha uma lesão nos lobos frontais, o que gerou questionamentos sobre a existência de um centro da linguagem no cérebro. Mais tarde, descobriu casos nos quais a linguagem havia se comprometido devido a lesões no lobo frontal do hemisfério esquerdo. A recorrência dos casos levou Broca a propor, em 1864, que a expressão da linguagem é controlada por apenas um hemisfério, quase sempre o esquerdo. Esta visão confere com resultados do procedimento de Wada, no qual um hemisfério cerebral é anestesiado. Na maioria dos casos, a anestesia do hemisfério esquerdo, mas não a do direito, bloqueia a fala. A área do lobo frontal esquerdo dominante que Broca identificou como sendo crítico para a articulação da fala veio a ser conhecida como área de Broca.(BEAR, 2002)
Em 1874, o neurologista Karl Wernicke identificou que lesões na superfície superior do lobo temporal, entre o córtex auditivo e o giro angular, também interrompiam a fala normal. Essa região é atualmente denominada área de Wernicke. Tendo estabelecido que há duas áreas de linguagem no hemisfério esquerdo, Wernicke e outros começaram a mapear as áreas de processamento da linguagem no cérebro e levantaram hipóteses acerca de interconexões entre córtex auditivo, a área de Wernicke, a área de Broca e os músculos requeridos para a fala.
"O modelo neurolingüístico de Wernicke considerava que a área de Broca conteria os programas motores de fala, ou seja, as memórias do movimentos necessários para expressar os fonemas, compô-los em palavras e estas em frases. A área de Wernicke, por outro lado, conteria as memórias dos sons que compõem as palavras, possibilitando a compreensão." (LENT, 2002, p. 637) Assim, se essas duas áreas fossem conectadas, o indivíduo poderia associar a compreensão das palavras ouvidas com a sua própria fala.
Atualmente, o modelo de Wernicke teve que ser corrigido quando se observou que pacientes com lesões bem restritas à porção posterior do giro temporal superior (a área de Wernicke) apresentavam na verdade uma surdez lingüística e não uma verdadeira afasia de compreensão. A área de Wernicke seria, então, responsável pela identificação das palavras e não da compreensão do seu significado.
Distúrbios da fala e da compreensão
Damos o nome de afasia a alguns dos distúrbios da linguagem falada causados por acidentes vasculares cerebrais na sua fase aguda. Entretanto, nem todos os distúrbios da linguagem podem ser chamados de afasia. São chamados de afasia apenas aqueles que atingem regiões realmente responsáveis pelo processamento da linguagem e não distúrbios do sistema motor, do sistema atencional, e outros que seriam apenas coadjuvantes do processo. Ao contrário de um doente que não consegue falar devido a paralisia de um nervo facial, os portadores de afasia podem apresentar problemas de linguagem sem ter qualquer problema no funcionamento muscular facial.
Segundo Lent (2002), as afasias são classificadas em afasia de expressão, de compreensão e de condução, de acordo com os sintomas do paciente e com a região cerebral atingida.
A afasia de Broca é também chamada de afasia motora ou não-fluente, já que as pessoas têm dificuldade em falar mesmo que possam entender a linguagem ouvida ou lida. Pessoas com esse tipo de afasia têm dificuldade em dizer qualquer coisa, fazendo pausas para procurar a palavra certa (anomia). A marca típica da afasia de Broca é um estilo telegráfico de fala, no qual se empregam, principalmente, palavras de conteúdo (substantivos, verbos, adjetivos), além da incapacidade de construir frases gramaticalmente corretas (agramatismo). É provocada por lesões sobre a região lateral inferior do lobo frontal esquerdo.
A afasia de compreensão ou afasia de Wernicke atinge uma região cortical posterior em torno da ponta do sulco lateral de Sylvius do lado esquerdo. Os pacientes não conseguem compreender o que lhes é dito. 
Emitem respostas verbais sem sentidos e também não conseguem demonstrar compreensão através de gestos. Apesar de possuir uma fala fluente, ela também não tem sentido pois não compreendem o que eles mesmos dizem. Enquanto na afasia de Broca, a fala é perturbada, mas a compreensão está intacta, na afasia de Wernicke, a fala é fluente, mas a compreensão é pobre.
A afasia de condução é provocada por lesão do feixe arqueado, feixes que conectam a área de Broca com a área de Wernicke. Os pacientes seriam capazes de falar espontaneamente, embora cometessem erros de repetição e de resposta a comandos verbais.
Outros distúrbios
Afasia é apenas uma das desordens que resulta de lesões do cérebro. Neurologistas catalogaram um grande número de desordens. Abaixo temos uma pequena lista de algumas delas:
•    Alexia: inabilidade adquirida de compreender a linguagem escrita.
•    Agrafia: inabilidade adquirida de produzir linguagem escrita apesar da presença da linguagem oral, da leitura e de controle de movimentos normal
•    Apraxia: inabilidade de ter movimentos propositais apesar da compreensão normal das instruções, da força, do reflexo e da coordenação normais.
•    Agnosia visual: perda da habilidade de reconhecer ou identificar a presença de objetos, apesar nas funções visuais estarem intactas. Uma forma específica da agnosia visual foi registrada como propagnosia, inabilidade de reconhecer faces.
•    Síndrome da negligência: a tendência a ignorar coisas numa região particular do espaço ignorando o módulo sensorial responsável pelos estímulos provenientes daquela região. Pacientes com uma forma dessa síndrome chamada síndrome da negligência unilateral ignoram as informações provenientes do lado esquerdo ou direito do corpo e podem até esquecer de barbear essa parte do rosto ou de vestir esse lado do corpo.
A especialização dos hemisférios
Apesar do nosso cérebro ser divido em dois hemisférios não existe relação de dominância entre eles, pelo contrário, eles trabalham em conjunto, utilizando-se dos milhões de fibras nervosas que constituem as comissuras cerebrais e se encarregam de pô-los em constante interação. O conceito de especialização hemisférica se confunde com o de lateralidade (algumas funções são representadas em apenas um dos lados, outras no dois) e de assimetria (um hemisfério não é igual ao outro).
Segundo Lent (2002), o hemisfério esquerdo controla a fala em mais de 95% dos seres humanos, mais isso não quer dizer que o direito não trabalhe, ao contrário, é a prosódia do hemisfério direito que confere à fala nuances afetivas essenciais para a comunicação interpessoal. O hemisfério esquerdo é também responsável pela realização mental de cálculos matemáticos, pelo comando da escrita e pela compreensão dela através da leitura. Já o hemisfério direito é melhor na percepção de sons musicais e no reconhecimento de faces, especialmente quando se trata de aspectos gerais. O hemisfério esquerdo participa também do reconhecimento de faces, mas sua especialidade é descobrir precisamente quem é o dono de cada face. Da mesma forma, o hemisfério direito é especialmente capaz de identificar categorias gerais de objetos e seres vivos, mas é o esquerdo que detecta as categorias específicas. O hemisfério direito é melhor na detecção de relações espaciais, particularmente as relações métricas, quantificáveis, aquelas que são úteis para o nosso deslocamento no mundo. O hemisfério esquerdo não deixa de participar dessa função, mas é melhor no reconhecimento de relações espaciais categoriais qualitativas. Finalmente, o hemisfério esquerdo produz movimentos mais precisos da mão e da perna direitas do que o hemisfério direito é capaz de fazer com a mão e a perna esquerda (na maioria das pessoas). Veja a Figura 2.2:

Figura 2.2: Especialização dos hemisférios. (LENT, 2002)

Implicações nas Ciências Cognitivas
Existem redundâncias consideráveis no sistema nervoso. A existência de processamento paralelo é amplamente aceita na neurociência e acredita-se que ele seja necessário devido a rapidez e complexidade do processamento da informação no cérebro das criaturas vivas. O poder da computação paralela pode ser observado nos modernos computadores seriais que demoram muito mais que o cérebro humano para processar informações visuais. Nos últimos anos, reconheceu-se que computadores com processamento paralelo são necessários para acelerar o processamento de imagens, aproximando-o da velocidade do cérebro humano.
Esse é um dos caminhos pelo qual a neurociência pode ajudar as ciências cognitivas. A psicologia cognitiva tem se esforçado para modelar as atividades intelectuais com elementos que interajam numa maneira neurologicamente plausível. Esses modelos estão ajudando a mostrar como a cognição pode ser estruturada através dos princípios básicos de operação da mente.

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